quarta-feira, maio 31, 2006

DA CÓLERA...



DA CÓLERA
(Réplica "Sobre a Raiva, uma adaptação... ")

Sou menos irascível do que triste e ainda posso ser mais ditoso do que mofino. Que a cólera me favorece? Nada. É apenas um ímpeto a mais. Bala desperdiçada quando temos munição extra. Explode energia cinética rumo a alguém, que é fácil de ser alguém amado, que pode ser ferido,que pode reagir, que pode me tornar estanque finalmente. Repouso pós-alarde.
A cólera ferve, transpira e coça, incomoda. Mais os terceiros do que os primeiros. Conveniente animus de se conduzir no cerne dessa vida tão esburacada. Ter ira é fácil e me interessa, pois a uso como escudo, não para me defender de todo mal, mas para retardá-lo. Sim, porque fúria que cura mal não existe, ele persiste e volta, mais cedo ou mais tarde. Se voltar mais tarde, o espírito então ordeiro se encarrega. Se voltar mais cedo, a cólera fede e pode doer, até sangrar, até morrer e até matar.
Há de haver algo reflexo. Uma parede, um copo, um corpo para golpear. Uma flor, um freio, um acelerador, para pisar. Mas se isto foge de meu alcance, há pelo menos, um ouvido pra escutar ou uma tela pra se ler meu berro, pode ser em pessoa, em telefone ou em ciberespaço. Que me preocupa o resto do mundo?
Quando tenho raiva, mato todos como Mao, remanesço sozinho, então o resto do mundo é nada além deste colérico.
Agora estou sozinho, o mundo sou eu. Este balbúrdio furiocêntrico. E neste micro globo não cabe ninguém além de mim e do meu pacote. Dor, hormônios, quiçá excremento. E o coração? Por enquanto é apenas um músculo que me bate e me sufoca. Melhor arrancá-lo e devolvê-lo ao seu habitat, nem sei onde. Sei que não é neste mono ambiente onde ainda permaneço. Vou à janela de onde vejo o colorido. Vou defenestrá-lo.
Vazio, a cólera me deixou cheio de nada, mouco de tanto vozeado estridente típico de quem está irado. A cólera me tirou a pele, não sinto mais o calor e no frio congelo. A cólera pode até cortar a língua fora por desespero, por destempero. Ato fogo em tudo pra me obrigar a brigar pela redenção. Quebro esta membrana, pulo pela janela. Não espero por ninguém. A cólera é toda minha, quem a cultivou fui eu. Cada qual que ache o ponto certo onde cair e que seja numa fonte de cal para arrefecer cada ácido ser.
Trinta minutos para concluir. Meia hora para fechar aquele espaço e se entregar às coisas da alma, aos bens do espírito. O tempo suficiente para ouvir uma sinfonia, para sorrir uma criança, para ler Quintana, para responder obrigado, eu te perdôo. Para convencer que eu te amo porque sou triste, porque tu me fazes feliz, porque tu me fazes sentir e refletir que sinto raiva quando sou mais ser do que humano.
CilvaH


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